Crise na representação política atual
06 NOV, 2017
Autor: JOSÉ ROBERTO ABRAMO
O sociólogo Zygmunt Bauman, falecido em janeiro de 2017, diz ser uma tendência de nosso tempo a crescente separação entre poder e política.
O sociólogo Zygmunt Bauman, falecido em janeiro de 2017, diz ser uma tendência de nosso tempo a crescente separação entre poder e política.
Em suas palavras: “Vivemos o fim do futuro”. O sociólogo polonês denuncia a perda de referências políticas, culturais e morais da civilização e diz que “só os jovens, com sua indignação, poderão resistir à banalização”.
E sentencia: As instituições políticas perderam representatividade porque sofrem com um “deficit perpétuo de poder”.
Os homens do passado agiam e viviam para o futuro. No passado foi concebida uma ordem que dependia do Estado-nação. Através de um Contrato Social, por meio do qual prevaleceria a soberania política da vontade coletiva, seria possível garantir a segurança e o bem-estar da vida em sociedade. Fato que sugere uma valorização da democracia. Porém, Rousseau não acreditava na representação política. Achava que um governo não seria soberano, mas apenas o povo o seria. Hobes é favorável ao conceito de representação política, pois todas as ações do representante político foram autorizadas por seus liderados que delegaram a este o poder de decisão.
Para Marx Weber “a ação de certos membros de um grupo é atribuída ao resto; ou se supõe, e de fato ocorre, que o resto considera a ação como “legitíma” para eles próprios e assumindo para eles um caráter de compromisso”.
E, na evolução da concepção da representação política parece ter sido mais ou menos consensual que o partido político é um tópico fundamental dentro do modelo de sociedade democrática.
A representação política traz consigo a exigência de legitimação que será construída através do de processos de identificação entre representados e seus representantes. Desta forma a política investiu nos parlamentos e nos partidos para construir a democracia como atualmente a compreendemos. Na atualidade as pessoas duvidam que os políticos sejam capazes de cumprir suas promessas. Até porque o processo de seleção dos governantes nas eleições parece ser um arranjo aristocrático das elites. No Brasil e em vários outros países temos financiamentos milionários das campanhas. Assim, as pessoas procuram desesperadamente veículos alternativos de decisão coletiva e ação, apesar de, até agora, isso não ter representado uma alteração efetiva.
A mídia passou a ser utilizada como um dos recursos centrais nos processos eleitorais contemporâneos e como ponto de partida para viabilidade das estratégias partidárias.
Alguns autores teorizam que as mídias estariam substituindo os partidos políticos na mediação entre representantes e representados. O significado disto é que teríamos uma democracia de “audiência” onde os políticos teriam um apelo maior do que as ideologias de seus respectivos partidos. E desta forma uma nova elite está tomando lugar dos ativistas e líderes partidários. E o ativismo pretendido não mais é baseado em uma ideologia, pelos menos não declaradamente por parte dos grupos hegemônicos. Um candidato não representa aquilo que ele diz, mas passa a ser contaminado por quem o financia. Aí, onde ficou a ideologia? Desta forma a figura do partido é desnecessária e a condição de representante de uma ideologia fica anulada. A bases que sustentam os partidos políticos ou sua representatividade perde espaço nesta luta simbólica. O partido deixa de ser homogêneo em seu pensamento. Oportunas serão suas ações de acordo com o marketing e um candidato e seu financiamento. Se ele não é financiado na campanha, dentro do parlamento sofre o lobbye sobre suas ações. E este lobbye sempre o cerca.
Vem à cena organizações da sociedade civil e maneirismos não eleitorais de representação que busca dar potência às vozes dos excluídos do processo político. E esta exclusão é cada vez maior. Daí o fato de que no mundo o número de abstenções em eleições tem crescido vertiginosamente.
O cenário se embaralha ainda mais dada a fragmentação dos segmentos sociais e suas novas bandeiras de lutas. E aparecem toda a fauna de grupos, muitos exóticos, comprometendo as pautas de reivindicação necessárias. As bases de sustentação dos partidos políticos perde substância.
O contexto favorece ainda mais o papel da mídia na visibilidade e vocalização das demandas destes grupos e suas lutas.
No Brasil, por exemplo, o marketing político está aí para formular estratégias eleitorais, na realidade mercadológicas, voltadas para a imagem dos candidatos, em conformidade com os seus objetivos de atuação e a capacidade dessa imagem em criar predisposições do eleitorado favoráveis às candidaturas, de acordo com as características desejadas pelo público almejado.
Existe um viés de espetacularização, como se fosse um produto a ser vendido, ou uma ideia subjacente. Esta ideia subjacente não é necessariamente consonante com as necessidades das sociedades. Para que servem então? Ou, para quem servem?
Agrega-se a isto que os cidadãos se sentem cada vez menos representados politicamente por políticos cada vez mais envolvidos em escândalos e processo de corrupção e, por conseguinte, fazendo com que os partidos estejam perdendo seu significado aos olhos dos eleitores. Os partidos são todos muitos parecidos e não exibem uma ideologia, uma base de atuação, que dê ao cidadão a base de apoio para suas reivindicações.
Então a decadência da política é causada e reforçada pela crise da agenda política. As instituições e os agentes políticos sofrem para legitimar e servir um conjunto de valores e opções consistentes e coerentes para o cidadão. Face a esta incapacidade do poder político para disciplinar os compromissos públicos acaba que o poder econômico expande sua política de autossuficiência de mercado e do consumismo.
Existe uma cumplicidade da maioria dos políticos, dos meios de comunicação e de uma boa parcela da intelectualidade. É constrangedor o debate político atual, a superficialidade, a banalidade, o culto às fofocas e às picuinhas, ao denuncismo vazio e o sensacionalismo que caracteriza a cobertura midiática do debate e só contribui para acelerar a velocidade do demérito e da desconfiança.
Os partidos têm dentro de si facções. O partido seria o lado positivo, mas a facção é um lado negativo, porque é particularista e violento. E isto está existindo em todos os partidos. A facção busca o governo porque busca o poder à toda prova. E defende seus interesses. Quando não se alinha aos grupos hegemônicos para financiar sua permanência.
Existe uma dificuldade para o funcionamento do sistema democrático representativo, seja do ponto de vista dos partidos políticos, ou da existência de um sistema partidário fragmentado ao extremo. Existe a falta de identidade partidária e ideológica, que deixa pouco nítido as opções oferecidas ao eleitor (não se sabe de quem é quem na competição eleitoral). Está havendo eleição de representantes pouco comprometidos com seu partido e com os eleitores que o elegeram. Sempre temos a necessidade de se estabelecer um governo de coalizão de vários partidos para obter apoio nas casas legislativas (uma base parlamentar de apoio para aprovação de suas políticas), o que vem a obrigar um chefe de governo a compor seu ministério com diferentes forças partidárias, heterogêneas e sem compromissos com a pasta.
O público foi despojado de seus conteúdos diferenciais e ficou sem agenda própria – não passa de um aglomerado de problemas privados. E a pauta da mídia virou uma colcha de retalhos de anseios e emoções privadas, desfilando em tela como se fossem assuntos de interesse público e afetassem a vida coletiva.
Então cuidar de exibir de forma atraente o que se divulga para se despertar curiosidade virou o principal tema do bom serviço ao interesse público, que assim como a venda de um determinado produto tem atualmente uma necessidade difundida pelas mídias com a necessidade implícita e tudo. E quase nunca tem a ver com a necessidade de fato do cidadão. Mas lhe é dado como benesse incontestável.
Este artigo tem apenas o fito de levantar a discussão. Cabem muitas discussões e também a tentativa de propor soluções.
Referências:
http://www.portalconscienciapolitica.com.br/products/representacao-politica/
http://brasilescola.uol.com.br/sociologia/rousseau-contrato-social.htm
http://epoca.globo.com/ideiasoticia/2014/02/bzygmunt-baumanb-vivemos-o-fim-do-futuro.html
Extraprensa: A mídia na construção da representação política; (Nelson Toledo Ferreria)
Observatório da Imprensa – O Poder da Mídia na Representação Política.
http://filosofaremcasa.blogspot.com.br/2010/12/rousseau-e-o-conceito-de-representacao.html
https://www.cartacapital.com.br/politica/a-crise-politica-e-o-desanimo-do-povo-com-seus-representantes
https://www.cartacapital.com.br/revista/756/crise-de-representacao-4182.html
http://www.fespsp.org.br/fesp/uploads/fck_assets/arquivos/ZINRafaelBalseiro.pdf
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